Iniciaremos, a partir desta semana, uma nova leitura. Iremos manter-nos dentro dos escritos de São Jerônimo. Convido-os a leitura dos discursos de São Jerônimo contra Vigilâncio.
No discurso Contra Vigilâncio, observamos em Jerônimo a presença do combatedor de heresias, desta vez investido do discurso satírico contra os costumes de um personagem gaulês, Vigilâncio. Em outras palavras, pela habilidade satírica de Jerônimo, podemos conhecer a deformidade da heresia pela apresentação que Jerônimo faz do “monstro” Vigilâncio. Como combatedor de heresias, pelo viés da sátira, temos uma imagem do advogado ajustada à fé católica ortodoxa, da qual busca defender a pureza e a vigência no mundo cristão e sua consolidação.
Capítulo I
O mundo pariu muitos monstros. Em Isaías lemos sobre centauros, corujas e pelicanos. Jó, em linguagem mística, descreve Leviatã e Behemoth. Cérbero e os pássaros de Estínfalo, o porco de Erimantéia e o leão de Neméia, a Chimera e a Hidra de muitas cabeças são citadas em fábulas poéticas. Virgílio descreve Caco. A Espanha criou Gerion, com seus três corpos. Somente a Gália não teve monstros e sempre contou com homens ricos em coragem e grande eloquência… Isto até Vigilâncio – ou, mais propriamente, “Dormilâncio” – que surgiu, animado por um espírito imundo, para lutar contra o Espírito de Cristo e negar aquela reverência religiosa que devemos prestar aos túmulos dos mártires. As vigílias – afirma ele – devem ser condenadas. O “Aleluia” nunca deve ser cantado senão na Páscoa. A continência é uma heresia. A castidade, uma cama preparada para a concupiscência. E assim como dizem que Eufórbio renasceu na pessoa de Pitágoras, então temos que neste (=Vigilâncio) ressuscitou a mente corrompida de Joviniano. Nele, não menos que em seu predecessor, encontramos as ciladas do demônio. A Palavra pode ser justamente aplicada a ele: “Raça de malfeitores, preparai vossos filhos para o massacre por causa dos pecados do vosso pai”. Joviniano, condenado pela autoridade da Igreja de Roma, entre a carne de faisão e a de porco, exalou, ou melhor, vomitou o seu espírito. E agora, este sustentador das tavernas do Calagurre, que conforme o nome de sua vila nativa é Quintiliano, estúpido ao invés de eloqüente, quer combinar água com vinho. Segundo a armadilha que ele há muito já conhece, tenta agora misturar seu veneno com a fé católica: ele agride a virgindade e odeia a castidade; se regozija com o mundano e prega contra o jejum dos santos; serve o filósofo em sua bandeja e se alivia com as doces melodias da salmodia enquanto lambe os lábios após comer seus bolos de queijo. Alías, não poderia ele dignar-se a ouvir as canções de Davi, Jeduth, Asaf e os filhos de Coré a não ser na mesa do banquete. Isto eu tenho dito com mais pesar que alegria, pois não posso me conter, tornando-me surdo ao ouvir as coisas erradas que ele atira contra os apostólos e mártires.