Pax et Bonum! Amigos, que a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês!
Dando continuidade aos estudos do livro “Contra os Acadêmicos“, iremos hoje continuar à procura da verdade, conforme São Agostinho incita a nos questionar. No texto abaixo dá-se início e fim da segunda discussão acerca da procura da verdade x felicidade x sabedoria. Agostinho nos relata como seus amigos tentam definir a verdade (à procura) utilizando a figura (sabedoria) para que cheguemos ao somatório destas razões (felicidade).
Segunda Discussão
Continuação da discussão sobre o erro
No dia seguinte, estando todos sentados, tomei a palavra: – Continuai o que tínheis começado ontem!
Disse então Licêncio: – Se não me engano, tínhamos interrompido a discussão a meu pedido, porque a definição do erro me apresentava grandes dificuldades.
– Neste ponto, em todo caso, não erras, observei eu, e desejo de todo o coração que isso te seja um bom augúrio para o restante da discussão:
Licêncio: – Escuta, pois, o que eu teria exposto ontem mesmo, se não tivesses intervindo. O erro, a meu ver, consiste em tomar o falso pelo verdadeiro. Nele não pode cair de nenhum modo quem julga que sempre se deve procurar a verdade, pois não pode aprovar o falso quem não aprova nada. Logo não pode errar, mas pode facilmente ser feliz. Para não ir muito longe, se pudéssemos viver todos os dias como ontem, não vejo razão para não nos considerarmos felizes. Pois vivemos numa grande tranquilidade de espírito, guardando a alma livre de toda mácula corporal, bem longe do fogo das paixões, dedicando-nos, quanto é humanamente possível, à razão, isto é, vivendo segundo aquela parte divina da alma, que, segundo a definição de ontem, concordamos que constitui a vida feliz. Todavia, creio que nada encontramos, mas apenas procuramos a verdade. Logo, o homem pode alcançar a felicidade só pela busca da verdade, ainda que não consiga encontra-la. Vê como é fácil refutar a tua definição por uma observação comum. Disseste que errar é buscar sempre sem nunca encontrar. Suponhamos um homem que nada procura. Alguém lhe pergunta, por exemplo, se é dia. Sem refletir e precipitadamente, responde que, a seu ver, é noite. Não te parece que ele erra? Esta espécie de erro tão grosseiro não é abrangida pela tua definição. E se incluir também os que não erram, pode haver definição mais viciosa? Um homem quer ir à Alexandria e segue o caminho direto, acho que não podes dizer que ele está errado. Mas, se, impedido por vários obstáculos, levar muito tempo a percorrer o mesmo caminho e for surpreendido pela morte, não é verdade que sempre procurou e nunca encontrou e todavia não errou?
Trigécio: – Dizes bem e tua observação é correta, pois daqui se segue a tua definição é inadequada. Na verdade eu disse que é feliz quem sempre busca a verdade. Isso é impossível. Primeiro, porque o homem não existe sempre, em segundo lugar, porque nem mesmo depois que começou a existir pode logo procurar a verdade, impedido que ainda se encontra pela idade. Ou, se entendes “sempre” no sentido de que o homem não deve perder nenhum momento desde quando é capaz de procurar, deves voltar a exemplo de Alexandria. Supõe alguém que, quando a idade e as ocupações lhe permitem viajar, põe-se a caminho daquela cidade. Como disse acima, não se desvia para nenhum lado, mas, antes de alcançar o seu destino, morre. Certamente te enganarias muito se pensasses que ele errou, embora todo o tempo que pôde não tenha deixado de procurar, mas não tenha chegado ao lugar para o qual se dirigia. Por isso, se é correto o meu raciocínio, segundo o qual não erra quem busca perfeitamente a verdade, ainda que não a encontre, é feliz porque vive de acordo com a razão. Portanto, a tua definição é vã, e se não o fosse, não deveria eu preocupar-me com ela pelo simples fato de que a minha tese é bem estabelecida pelas razões que expus. Assim sendo, pergunto, por que não estaria resolvida a questão que discutimos?
Indagou Trigécio: – Concedes que a sabedoria é o caminho reto da vida?
Licêncio: – Concedo, sem dúvida. Mas quero que me definas a sabedoria para saber se a concebemos no mesmo sentido.
Trigécio: – Não te parece bem definida na pergunta que te fiz? Até me concedestes o que eu queria. Pois, se não me engano, é com razão que a sabedoria é chamada o caminho reto da vida.
Retrucou Licêncio: – Nada me parece tão ridículo como esta definição.
Trigécio: – Talvez. Mas vai com cautela, reflete antes de rir, pois nada é mais vergonhoso que o riso digno de irrisão.
Propôs Licêncio: – Concordas que a vida é o contrário da morte?
Trigécio: – Concordo.
Licêncio: – Pois para mim o caminho da vida não é senão aquele que seguimos para evitar a morte.
Trigécio concordou. Prosseguiu Licêncio: – Portanto, se um viajante, que evita um atalho por ter ouvido que está infestado de assaltantes, segue pelo caminho reto e assim evita a morte, não seguiu o caminho da vida e o caminho reto? No entanto ninguém chama a esse caminho de “sabedoria”. Como então é sabedoria todo o caminho reto da vida?
Trigécio: – Concedi que a sabedoria é isso, mas não só ela.
Licêncio: – Uma definição não deve conter nenhum elemento alheio ao definido. Por isso, defina novamente que, a teu ver, é sabedoria.
Trigécio guardou longo silêncio e por fim disse: – Pois então defino-a novamente, já que decidiste não encerrar este ponto. A sabedoria é o caminho reto que conduz à verdade.
Retorquiu Licêncio: – Também esta definição se refuta facilmente. Em Virgílio a mãe de Enéias diz a este: “Continua e dirige os passos para onde te conduz o caminho”. Seguindo esse caminho, Enéias chegou ao lugar que lhe fora indicado, isto é, à verdade. Tenta sustentar, por favor, que o lugar onde, avançando, ele pôs os pés se pode chamar sabedoria! Na verdade é total tolice minha tentar rebater esta tua definição, pois nada favorece mais a minha causa que ela. Disseste com efeito, que a sabedoria não é a própria verdade mas o caminho que a ela conduz. Assim, quem usa este caminho usa a sabedoria e quem usa a sabedoria é necessariamente sábio. Portanto, sábio é aquele que busca perfeitamente a verdade, mesmo que ainda não a tenha alcançado. Pois, ao meu ver, a melhor definição do caminho que conduz à verdade é a diligente pesquisa da verdade. Consequentemente, quem usa este caminho já será sábio. E nenhum sábio é infeliz. Ora todo homem é infeliz ou feliz. Logo o que faz feliz não é só a descoberta, mas a própria procura da verdade.
Sorrindo, disse Trigécio: – Realmente mereci que me acontecesse isso, por haver feito imprudentemente concessões em coisas desnecessárias ao adversário, como se eu fosse um mestre em definições ou julgasse alguma coisa mais supérflua na discussão. Onde vamos parar se eu te pedir novamente a definição de algo e fingindo nada entender, pedir que definas cada uma das palavras dessa definição e assim sucessivamente de todas as que seguirem? Pois de que termo claríssimo não teria eu o direito de exigir a definição, se me pode ser pedida a definição da sabedoria? Há, porventura, palavra da qual a natureza quis que nossa alma tivesse uma noção mais clara que a da sabedoria? Mas não sei como, apenas esta noção deixa, por assim dizer, o porto da nossa mente e solta as velas das palavras, logo mil cavilações a ameaçam de naufrágio. Por isso, ou não se exija uma definição da sabedoria, ou o nosso juiz se digne vir em seu auxílio.
Então, como a noite já impedia escrever e vendo que novamente surgia um grande problema, transferi a discussão para outro dia. Efetivamente, tínhamos começado a disputa quando o sol já estava declinando, depois de termos passado quase o dia inteiro no trato de tarefas do campo e no estudo do primeiro livro de Virgílio.
(Postagem: Paulo Praxedes – Equipe do Blog Dominus Vobiscum – Referências: Veritatis – Suma Teológica – Ordem de Santo Agostinho – Patrística vol.24)
Veja Também:: Vida de São Agostinho | Livro I – Prólogo | Livro I – Gênese | Livro I – Primeira Discussão | Livro I – Procura da Verdade e Perfeição do Homem | Livro I – Primeira Definição do Erro
Eu, de modo especial e singelo, desejo a todos e aos seus, um feliz Natal repleto de muita Paz e Luz!
Até o próximo post! E divulguem/compartilhem este estudo com seus amigos para que juntos possamos aprender com os doutores da nossa Igreja que é Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana!