Vida de Santo Agostinho de Hipona :: Contra os Acadêmicos – Livro III [Necessidade da fortuna para tornar-se sábio]

Santo Agostinho de Hipona (4)Pax et Bonum! Amigos, que a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês! Dando continuidade aos estudos do livro “Contra os Acadêmicos“, hoje iremos, inicializar o livro III. A temática deste capítulo, que iremos estudar, é refletindo sobre a pergunta de que para nos tornarmos sábio, temos que ter dinheiro? Se trazermos isso para os nossos tempos, esta máxima é verdadeira? Qual é o valor do “investimento” necessário para adquirirmos alguma ‘sabedoria’?

Boa Leitura!!!

Necessidade da fortuna para tornar-se sábio

No dia seguinte ao daquela discussão contida no segundo livro, reunimo-nos nos banhos, pois o tempo estava muito sombrio para descer ao campo. Comecei assim:

– Creio que já entendestes suficientemente bem qual a questão que resolvemos discutir. Mas, antes de abordar a minha tese, peço que de bom grado ouçais algumas palavras, não alheias ao nosso assunto, sobre a esperança, a vida, o propósito que nos anima. Creio que nossa tarefa, não banal ou supérflua, mas necessária e suprema, é procurar a verdade com todo empenho. Nisso estamos de acordo Alípio e eu. Com efeito, os outros filósofos julgaram que o seu sábio encontrara a verdade. Os Acadêmicos afirmaram que o sábio deve fazer todo o esforço para encontra-la e de fato o faz com toda a dedicação. Mas, como a verdade está oculta ou confusa, para orientar a sua vida, devia seguir o que lhe parecesse provável ou verossímil. Tal foi também o resultado da vossa discussão de ontem. Efetivamente, um afirma que o homem alcança a felicidade pela descoberta da verdade, enquanto para outro basta busca-la diligentemente. Portanto, está fora de qualquer dúvida para qualquer um de nós que não há nada que devamos antepor a essa tarefa. Assim, pergunto-vos: como foi o dia que tivemos ontem? Quisestes dedica-los aos vossos estudos. Tu, Trigécio, deleitaste-te com os poemas de Virgílio, e Licêncio dedicou-se à composição de versos, paixão que o inflama, de tal modo que foi principalmente por causa dele que julguei necessário instituir este discurso, para que a filosofia ocupe e reclame no seu espírito – pois já é tempo – um espaço maior que a poesia e qualquer outra disciplina.

Mas dizei-me, não lamentastes a nossa sorte de ontem? Fomos dormir com a ideia de levantar-nos no dia seguinte para nos dedicarmos à questão adiada e a nada mais. Todavia apareceram tantos afazeres domésticos inadiáveis que nos ocuparam de tal modo que mal nos restaram as duas últimas horas do dia para nos recolhermos. Assim, sempre foi minha opinião que o homem que já alcançou a sabedoria não tem necessidade de nada, mas para tornar-se sábio a fortuna lhe é muito necessária. Mas talvez Alípio tenha outra idéia.

Alípio: – Ainda não entendi bem qual a importância que atribuis à fortuna. Se para desprezá-la julgas que ela mesma é necessária, acompanho-te nesta opinião. Se, ao contrário, o que concedes à fortuna consiste em dizer que sem sua permissão não se pode prover às necessidades corporais, não concordo. Pois, ou quem ainda não é sábio mas aspira à sabedoria pode, apesar da oposição da fortuna, adquirir o que é necessário para a vida, ou devemos conceder que a fortuna domina também a vida, ou devemos conceder que a fortuna domina também toda a vida do sábio, visto que este não pode renunciar às coisas necessárias ao corpo.

Dizes, portanto, repliquei que a fortuna é necessária a quem procura a sabedoria, mas não ao sábio.

– Não é inoportuno, tornou Alípio, repetir as mesmas coisas. Assim, vou agora perguntar-te se, a teu ver, a fortuna ajuda a desprezá-la a ela mesma. Se pensas assim, digo-te que o aspirante à sabedoria tem grande necessidade da fortuna.

– Penso isso, repliquei, pois é por ela que o aspirante à sabedoria será tal que possa desprezar a fortuna. E isso não é absurdo. Quando somos crianças, temos necessidade do seio materno, graças ao qual podemos depois viver e crescer sem ele.

– Para mim está claro, disse Alípio, que nossas opiniões concordam, se realmente exprimem nossas concepções, a menos que talvez alguém julgue necessário observar que não é o seio nem a fortuna, mas outra coisa que nos faz desprezar esta e aquele.

– Não é difícil encontrar outra comparação, retomei eu. Ninguém atravessa o mar Egeu sem navio ou algum outro meio de transporte ou se não quiser temer o próprio Dédalo em pessoa, sem instrumento adequados a essa travessia ou sem a ajuda de algum poder oculto. Todavia, não tem outro desejo que chegar ao término e,  uma vez alcançado o seu destino, está pronto a rejeitar e desprezar tudo o que lhe serviu para a travessia. Do mesmo modo, quem quiser chegar ao porto da sabedoria e, por assim dizer, à terra totalmente firme e tranquila da sabedoria – pois, para calar outras coisas, se for cego ou surdo não o poderá, o que depende da fortuna – parece-me necessária a fortuna para alcançar o que deseja. Uma vez conseguido este fim, ainda que julgue necessitar de certas coisas relativas ao bem-estar corporal, é certo que não precisa dessas coisas para ser sábio, mas apenas para viver entre os homens.

– Mais que isso, interrompeu Alípio, se for cego e surdo, a meu ver, com razão desprezará tanto a aquisição da sabedoria como a vida para a qual se busca a sabedoria.

Todavia, disse eu, como a nossa vida presente está sob o poder da fortuna e só quem vive pode tornar-se sábio, não devemos admitir que temos necessidade do seu favor para chegar à sabedoria?

– Mas como a sabedoria só é necessária aos vivos, replicou Alípio, e eliminada a vida não há nenhuma necessidade de sabedoria, não temo a fortuna ao avançar na vida, pois é porque vivo que quero a sabedoria, e não é porque desejo a sabedoria que quero a vida. Consequentemente, se a fortuna me tirar a vida, me privará do motivo de buscar a sabedoria. Assim, para ser sábio, não tenho por que desejar o favor da fortuna ou temer seus revesses, a não ser que me apresentes outras razões.

– Portanto, repliquei, não achas que o aspirante á filosofia pode ser impedido pela fortuna de alcançar a sabedoria, mesmo que não lhe tire a vida?

– Julgo que não, respondeu.

(Postagem: Paulo Praxedes – Equipe do Blog Dominus Vobiscum – Referências: Veritatis  Suma Teológica  Ordem de Santo Agostinho  Patrística vol.24)

Veja Também:: Vida de São Agostinho | Livro I | Livro II

Até o próximo post! E divulguem/compartilhem este estudo com seus amigos para que juntos possamos aprender com os doutores da nossa Igreja que é Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana!

9 comentários sobre “Vida de Santo Agostinho de Hipona :: Contra os Acadêmicos – Livro III [Necessidade da fortuna para tornar-se sábio]

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