Pax et Bonum! Amigos, que a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês!
Dando continuidade aos estudos do livro “Contra os Acadêmicos“, hoje iremos, continuar lendo o livro III. Como vimos no capítulo anterior, há um embate de entendimento e este ainda não será aqui resolvido. São Agostinho nos mostra que, para tudo que fazemos com afeição será prioridade a nós mesmo que este “trabalho” não nos seja a prioridade maior.
O título do capítulo de hoje é um termo não muito utilizado em nossa vida, para os irmãos de cadeira jurídica já tem muita familiaridade com este tal de “Irrazoabilidade”. Podemos entender aqui como sendo um processo para resolução de uma colisão, para o nosso contexto, um conflito de entendimento que lhe são passados somados à uma falta do “querer” aprender.
Precisamos estar vigilantes para que estejamos sempre, para as coisas do Alto (principalmente), com o máximo de afeição e zelo. Boa Leitura!!!
Irrazoabilidade da descrição acadêmica do sábio
Em nossa volta, encontramos Licêncio, cuja sede nem Helicon poderia matar, todo ocupado em compor versos. Quase no meio da refeição, que todavia foi tão rápida que mal começou já terminou, saiu despercebidamente sem nada beber. Disse-lhe eu:
– Desejo que enfim possuas plenamente a arte poética que tanto desejas, não que esta perfeição me agrade muito, mas vejo que é tamanho o teu ardor que só a saciedade poderá libertar-te dessa paixão, o que costuma acontecer depois de atingida a perfeição. Além disso, como tens uma bela voz, eu preferiria ouvir-te declamar os teus versos a ouvir-te cantar, como aves presas em gaiolas, as palavras das tragédias gregas que não compreendes. Entretanto, aconselho-te que vás beber, se quiseres e depois voltes à nossa escola, se ainda tens alguma estima de Hortênsio e da filosofia, à qual já consagraste agradáveis primícias naquela discussão com Trigécio. Ela efetivamente já te havia inflamado mais ardentemente que a tua arte por ética para a ciência das coisas grandes e realmente frutíferas. Mas, ao desejar trazer-vos às disciplinas com as quais se cultiva o espírito, receio introduzir-vos num labirinto e quase me arrependo de ter freado o teu ímpeto poético.
Ele corou e retirou-se para beber, pois estava com muita sede e aproveitou a ocasião para evitar que eu lhe dissesse outras coisas mais duras.
– Depois que ele voltou, todos atentos, recomecei com estas palavras:
– Não é verdade, Alípio, que discordamos a respeito de algo que me parece totalmente evidente?
– Não é nada estranho, disse ele, que o que dizer ser claro para ti seja obscuro para mim, pois o que é evidente para alguns pode sê-lo mais ainda para outros, do mesmo modo como o que é obscuro para alguns pode sê-lo mais ainda para outros. Se a coisa é clara para ti, acredita-me que há alguém para o qual ela é ainda mais clara e alguém para o qual é ainda mais obscuro o que é obscuro para mim. Mas como não quero passar mais tempo por obstinado aos teus olhos, peço-te que expliques mais claramente o que é evidente.
– Escuta com atenção, respondi, deixando por um momento de lado a preocupação da resposta. Se conheço bem a mim e a ti, o que vou dizer, se houver esforço, será claro e um logo convencerá o outro. Afinal, disseste, ou talvez eu estava surdo, que o sábio acreditava conhecer a sabedoria?
Ele fez sinal que sim.
– Deixemos por um momento de lado esse sábio, disse eu. Tu mesmo és sábio ou não?
– Todavia, retornei, gostaria que me dissesses o que pensas do sábio Acadêmico, parece-te que conhece a sabedoria?
Retrucou Alípio:
– Perguntas se ele crê conhecê-la ou se a conhece, ou outra coisa? Pois temo que esta ambiguidade sirva de subterfúgio para algum de nós.
– Isso, respondi, é o que se costuma chamar de querela toscana: a uma questão colocada não se dá uma solução, mas se responde com outra objeção. Para agradar um pouco os ouvidos de Licêncio, é o que também o nosso poeta nas Bucólicas julga comum entre os camponeses e pastores: um deles pergunta ao outro onde o céu não tem mais que três côvados. O outro responde: “dize-me em que terra nascem flores em que estão inscritos os nomes dos reis?”. Peço-te, Alípio, não penses que isso nos seja permitido no campo, pois estes banhos, por modestos que sejam, nos lembram um pouco a beleza dos ginásios. Responde ao que te pergunto: a teu ver, o sábio dos Acadêmicos conhece a sabedoria?
Alípio:
– Para não ir demasiado longe, comentando palavras com palavras, parece-me que ele acredita que conhece.
– Portanto, disse eu, parece-te que ele não a conhece? Não estou perguntando o que te parece que o sábio acha, mas se tu achas que o sábio conhece a sabedoria. Creio que podes simplesmente afirmar ou negar.
– Oxalá, retorquiu Alípio, isso fosse tão fácil para mim como é para ti ou tão difícil para ti quanto o é para mim. Assim não serias tão importuno e não alimentarias nenhuma esperança de resposta. Pois, quando me perguntaste o que eu achava do sábio Acadêmico, respondi que me parecia que ele achava que conhecia a sabedoria, para não afirmar temerariamente que eu o sabia ou sustentar não menos temerariamente que o sábio sabia.
Peço-te o grande favor, retruquei, de responder ao que eu perguntei e não à pergunta que tu mesmo te fazes e, além disso, de deixar um pouco de lado a minha esperança que, segundo sei, não te preocupa menos que a tua – certamente se me deixar enganar por esta interrogação, passarei para o teu lado e logo terminaríamos a discussão – finalmente, peço-te expulsar não sei que inquietação que vejo dominar-te e prestar mais atenção para entender facilmente o que desejo que me respondas. Dissestes que não afirmavas nem negavas – como devias fazer para responder à minha pergunta – com receio de afirmar temerariamente saber o que não sabes. Como se eu te perguntasse o que sabes e não o que te parece! Assim, agora volto a perguntar-te mais claramente – se for possível ser mais claro: achas que o sábio conhece a sabedoria, ou achas que não?
– Se há um sábio como o apresenta a razão, respondeu Alípio, posso crer que ele conhece a sabedoria.
– Portanto, respondi, a razão te apresenta um sábio que não ignora a sabedoria. Até aqui respondeste perfeitamente, pois nem poderias ter outra opinião.
– Agora te pergunto se é possível encontrar um sábio. Em caso afirmativo, ele também pode conhecer a sabedoria, e toda a questão entre nós está resolvida. Se, ao contrário, disseres que não se pode encontrar um sábio, já não perguntaremos se o sábio sabe alguma coisa, mas se alguém pode ser sábio. Assentado isso, deixemos de lado os Acadêmicos e discutamos esta questão entre nós como todo afinco e cautela possíveis. Pois os Acadêmicos julgavam, ou antes, opinavam que o homem pode ser sábio, mas que não é dado ao homem o conhecimento. Tu, porém achas que o sábio conhece a sabedoria, o que evidentemente não é não saber nada. Ao mesmo tempo concordamos, como todos os antigos e os próprios Acadêmicos, que ninguém pode ter conhecimento de coisas falsas. Donde se segue que deves afirmar que a sabedoria nada é ou admitir que o sábio descrito pelos Acadêmicos não é o sábio apresentado pela razão. Omitindo essas questões, vejamos se o homem pode alcançar a sabedoria tal como a descreve a razão. Pois não há outra sabedoria que devamos ou possamos corretamente chamar com este nome.
Veja Também:: Vida de São Agostinho | Livro I | Livro II | Livro III – Necessidade da fortuna para tornar-se sábio | Livro III – O sábio e o conhecimento da sabedoria
Até o próximo post! E divulguem/compartilhem este estudo com seus amigos para que juntos possamos aprender com os doutores da nossa Igreja que é Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana!