Estudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana:: Por que dizemos que a Igreja é santa?

Igreja Católica

Já ouvimos dizer muitas vezes padres e pregadores afirmarem que a Igreja é “santa”, porém o que constatamos na verdade é que os católicos são, na verdade, grandes pecadores (e, entre eles sacerdotes, religiosas e leigos). Por sua vez, também já ouvimos pessoas dizerem que alguns dos que vão à Missa são piores do que muitos que não vão. Como entender isto? Não é hipocrisia afirmar que a Igreja é “santa”?

Infelizmente muitos cristãos se escandalizam com os Filhos da Igreja! As pessoas enfim tem razão? Bom, na verdade tem razão e ao mesmo tempo não tem! COmo diziam os antigos, enxergam bem, mas raciocinam mal, inferindo erroneamente.

Sim, a Igreja é Santa! É Santa e santificadora, apesar dos pecados de seus filhos! Mas como entender o paradoxo desta santidade?

As palavras de São Paulo não deixam dúvidas:

“Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela, para santificá-la, purificando-a pela água do batismo, em virtude da palavra, para apresentá-la a Si mesmo toda gloriosa, sem mancha, nem ruga, nem qualquer outro defeito semelhante, mas santa e imaculada” (Ef 5,25-27).

Se nós dizemos que a palavra de Jesus Cristo é eficaz e efetiva em tudo o que diz, quanto mais eficazes e efetivos serão os seus atos e o seu sacrifício! Ele se entregou por ela (=a Igreja) para santificá-la! Portanto, ela é santa porque o sacrifício de Cristo é eficaz. “A Igreja é, aos olhos da fé, santa e sem máculas. Com efeito, Cristo, Filho de Deus, a quem com o Pai e o Espírito Santo é proclamado ‘o único Santo’ amou à Igreja como sua esposa, entregando-se a Si mesmo por ela para santificá-la (cf. Ef. 5,25-26), a uniu a Si como seu próprio Corpo e a enriqueceu com o dom do Espírito Santo para a glória de Deus”. Na verdade, a Igreja é duplamente santa:

a) É santa, em primeiro lugar, porque ela é o próprio Deus santificando os homens em Cristo por seu Espírito Santo. Dizia Pio XII:

“Esta piedosa mãe brilha sem mancha alguma em seus sacramentos, com que alimenta seus filhos; na fé, que sempre conserva incontaminada; nas santíssimas leis, com que obriga a todos; nos conselhos evangélicos com que adverte; e, finalmente, nos dons celestiais e carismas, com os quais, inesgotável em sua fecundidade, dá à luz a incontáveis exércitos de mártires, virgens e confessores.”

Esta é santidade “objetiva” da Igreja. Ela é um canal inesgotável de santidade porque nela Deus coloca à disposição dos homens os grandes meios de santidade:

  • Seus tesouros espirituais – os Sacramentos – entre os quais o principal é o próprio Cristo sacramentado, fonte de toda santidade.
  • Sua doutrina santa e imaculada, que finca suas raízes no Evangelho.
  • Suas leis e conselhos, que são prescrições e convites à santidade.
  • O Sangue de Cristo tornado bebida cotidiana do cristão.
  • A misericórdia do perdão oferecido sacramentalmente aos pecadores.

b) Em segundo lugar, a Igreja é santa porque ela é a humanidade em vias de santificação por Deus. Este é o aspecto complementar do item anterior, ou seja, a santidade “subjetiva” da Igreja. Os canais de santidade são derramados sobre os filhos da Igreja e, se não sobre todos, pelo menos sobre muitos produz verdadeiros frutos de santidade. Ela é o seio que incessantemente gera frutos de santidade. Voltaire, apesar de seu ódio contra a Igreja, reconhecia:

“Nenhum sábio teve a menor influência nos costumes na rua em que morava; porém, Jesus Cristo influi sobre todo o mundo”.

Essa influência são os santos. Quanta diferença entre os frutos “naturais” do Paganismo e os do Cristianismo! Quando a Igreja gera filhos nas águas do batismo, os dá à luz com germens de graça e santidade, os quais, quando os homens não colocam obstáculos, crescem e dão ao mundo extraordinárias obras de caridade. Por isso, a Igreja, desde seu início na Jerusalém dos Apóstolos, começou a popular o mundo com:

  • Jovens virgens, testemunhas da pureza.
  • Mártires da fé.
  • Missionários e apóstolos
  • Ermitães e monges penitentes
  • Incansáveis operários da caridade, que consagraram suas vidas aos enfermos, aos pobres, aos famintos, aos abandonados…
  • Seus filhos inventaram os hospitais, leprosários, asilos…

Na Antiguidade se contava a história de Cornélia, a mãe dos Gracos, filha de Escipião Magno, a qual vendo uma de suas amigas fazendo ostentação de suas joias, com um gesto apontou para os seus filhos – futuros heróis de Roma – e disse-lhe: “Estes são os meus ornamentos e as minhas joias!”. Com quanta razão mais a Igreja pode dizer ao mundo, apontando para os santos de todos os tempos: “Estes são as minhas joias!”

E apenas isto já fala da santidade da Igreja, pois para fazer um só santo é necessário um poder divino, já que apenas a graça do Espírito Santo pode santificar um homem. E a Igreja não deixa de ter santos nem quando os horizontes são os mais sombrios! Três sinais, entre muitos outros – dizia Journet – tornam visível esta santidade da Igreja:

1º) Ela é uma voz que não deixa de proclamar ao mundo as grandezas de Deus. Essa constância em proclamar e cantar as maravilhas de Deus é a sua razão de ser. Encontramos a Igreja ali onde escutamos sem cessar cantar as maravilhas de Deus, defender Sua honra dos erros do mundo, dar testemunho de Sua grandeza e Sua misericórdia para com os homens.

2º) Ela é uma “sede inextinguível” de unir-se a Deus. A Igreja está onde suspiram todos os que esperam a manifestação do Rosto de Deus, os que esperam a vinda de Cristo, os que não se apegam a este mundo e suspiram por uma pátria melhor, os que se sentem como os desterrados filhos de Eva.

3º) Ela é um zelo insaciável por dar Deus aos homens. A encontramos ali onde, com infatigável ardor, existe um verdadeiro cristão que trabalha pela conversão dos pecadores, por fazer que os ignorantes conheçam a Deus, por levar o Evangelho aos que ainda não o ouviram…

Por isso defendemos a santidade da Igreja. No próximo post, vamos entender a diferença entre a Igreja e seus filhos. Mas por enquanto reflita: Se alguém comete um assassinato podemos chamar toda a família deste homem de assassinos? É justo que o nome de uma família seja manchado por um erro de um de seus integrantes?

No próximo post! Imperdível! Dominus Vobiscum

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Livro Maria Sempre Virgem e SantaVeja também o novo livro do Cadu (Administrador do Blog Dominus Dominus Vobiscum): Maria Sempre Virgem e Santa. Nele você vai encontrar ensinamentos seguros da doutrina da Igreja a respeito da Santíssima Virgem Maria, além das orações mais tradicionais da nossa Igreja à Virgem Mãe de Deus. Vendas apenas pela internet nos sites Clube de Autores e Agbook. Um livro para quem deseja ser mais íntimo de Nossa Senhora.

Estudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana:: Humana e Divina, Visível e Invisível.

Igreja Católica

A Igreja está na história, mas ao mesmo tempo a transcende. É unicamente “com os olhos da fé” que se pode enxergar em sua realidade visível, ao mesmo tempo, uma realidade espiritual, portadora de vida divina. (CIC§770)

Quando falamos da Igreja Católica Apostólica Romana, a mesma fundada por Jesus Cristo que tem Pedro como o primeiro papa, é preciso entender que esta tem dois lados que precisamos conhecer: A Igreja é visível e ao mesmo tempo espiritual (invisível). Existe na Igreja de Cristo uma parte que você vê todos os dias, quando vai à missa, quando entra na Igreja, quando se reúne com os irmãos para as orações… Mas também existe um lado nesta mesma Igreja que você não tem acesso com os sentidos humanos (você não vê, não toca, não sente com suas mãos ou com sua boca). É o lado espiritual da Igreja.

Isso faz da Igreja um “Corpo Místico” cuja cabeça é Jesus Cristo, o mesmo que a constituiu e que a sustenta aqui na Terra. É muito importante entender que é a Igreja invisível (em que o Senhor Jesus a precede) sustenta a Igreja visível e não ao contrário. Por maior que seja nosso trabalho aqui na Terra, não é o nosso esforço que sustenta a Igreja, mas a graça que vem do alto que nos é dada por Cristo, a cabeça da Igreja, o Divino Espírito Santo.

A Igreja é ao mesmo tempo humana e divina, visível mas dotada de dons invisíveis, presente no mundo, mas não pertencente a ele e portanto peregrina. Nela, o humano se torna eterno (em Jesus), e ao eterno se subordina. Na Igreja, o visível se submete ao invisível e o presente tem como finalidade a Cidade Futura que está no céu.

É um erro reduzir a Igreja a uma mera instituição humana, ou a um trabalho puramente assistencial. A Igreja não é uma assembléia de moradores, ou um depósito velho onde se reúnem pessoas boazinhas, muito menos um point de encontros que servem unicamente para “fazer o social” ou “encontrar a galera”. A Igreja é muito mais que tudo isso. É preciso ter cuidado com movimentos e pastorais que querem reduzir a Igreja meramente a um ato humano.

E isso envolve tudo, inclusive o Espaço Sagrado que chamamos de Igreja, Capela, Paróquia… Sendo a Igreja humana e divina, espiritual e física, não se pode reduzir o espaço físico da Capela a um galpão onde por exemplo, se realizam missas e festas ao mesmo tempo. Também neste espaço físico, o humano precisa se submeter ao divino, ou seja, ali precisa ser um lugar de respeito e oração. Ali por definição é o repouso do Altíssimo, que se torna visível a nós no Pão Consagrado.

Por isso São Bernardo dizia:

“Ó humildade! Ó sublimidade! Tabernáculo de Cedar e santuário de Deus; morada terrestre e palácio celeste; casa de barro e sala régia; corpo de morte e templo de luz; finalmente, desprezo para os soberbos e esposa de Cristo! És negra, mas formosa, ó filha de Jerusalém: ainda que desfigurada pelo labor e pelado longo exílio, a beleza celeste te adorna”

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Vida de Santo Agostinho de Hipona :: Contra os Acadêmicos – Livro III [Irrazoabilidade da descrição acadêmica do sábio]

Santo Agostinho de Hipona (4)Pax et Bonum! Amigos, que a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês!

Dando continuidade aos estudos do livro “Contra os Acadêmicos“, hoje iremos, continuar lendo o livro III.  Como vimos no capítulo anterior, há um embate de entendimento e este ainda não será aqui resolvido. São Agostinho nos mostra que, para tudo que fazemos com afeição será prioridade a nós mesmo que este “trabalho” não nos seja a prioridade maior.

O título do capítulo de hoje é um termo não muito utilizado em nossa vida, para os irmãos de cadeira jurídica já tem muita familiaridade com este tal de “Irrazoabilidade”. Podemos entender aqui como sendo um processo para resolução de uma colisão, para o nosso contexto, um conflito de entendimento que lhe são passados somados à uma falta do “querer” aprender.

Precisamos estar vigilantes para que estejamos sempre, para as coisas do Alto (principalmente), com o máximo de afeição e zelo. Boa Leitura!!!

Irrazoabilidade da descrição acadêmica do sábio

Em nossa volta, encontramos Licêncio, cuja sede nem Helicon poderia matar, todo ocupado em compor versos. Quase no meio da refeição, que todavia foi tão rápida que mal começou já terminou, saiu despercebidamente sem nada beber. Disse-lhe eu:

– Desejo que enfim possuas plenamente a arte poética que tanto desejas, não que esta perfeição me agrade muito, mas vejo que é tamanho o teu ardor que só a saciedade poderá libertar-te dessa paixão, o que costuma acontecer depois de atingida a perfeição. Além disso, como tens uma bela voz, eu preferiria ouvir-te declamar os teus versos a ouvir-te cantar, como aves presas em gaiolas, as palavras das tragédias gregas que não compreendes. Entretanto, aconselho-te que vás beber, se quiseres e depois voltes à nossa escola, se ainda tens alguma estima de Hortênsio e da filosofia, à qual já consagraste agradáveis primícias naquela discussão com Trigécio. Ela efetivamente já te havia inflamado mais ardentemente que a tua arte por ética para a ciência das coisas grandes e realmente frutíferas. Mas, ao desejar trazer-vos às disciplinas com as quais se cultiva o espírito, receio introduzir-vos num labirinto e quase me arrependo de ter freado o teu ímpeto poético.

Ele corou e retirou-se para beber, pois estava com muita sede e aproveitou a ocasião para evitar que eu lhe dissesse outras coisas mais duras.

Depois que ele voltou, todos atentos, recomecei com estas palavras:

– Não é verdade, Alípio, que discordamos a respeito de algo que me parece totalmente evidente?

– Não é nada estranho, disse ele, que o que dizer ser claro para ti seja obscuro para mim, pois o que é evidente para alguns pode sê-lo mais ainda para outros, do mesmo modo como o que é obscuro para alguns pode sê-lo mais ainda para outros. Se a coisa é clara para ti, acredita-me que há alguém para o qual ela é ainda mais clara e alguém para o qual é ainda mais obscuro o que é obscuro para mim. Mas como não quero passar mais tempo por obstinado aos teus olhos, peço-te que expliques mais claramente o que é evidente.

– Escuta com atenção, respondi, deixando por um momento de lado a preocupação da resposta. Se conheço bem a mim e a ti, o que vou dizer, se houver esforço, será claro e um logo convencerá o outro. Afinal, disseste, ou talvez eu estava surdo, que o sábio acreditava conhecer a sabedoria?

Ele fez sinal que sim.

– Deixemos por um momento de lado esse sábio, disse eu. Tu mesmo és sábio ou não?

– Todavia, retornei, gostaria que me dissesses o que pensas do sábio Acadêmico, parece-te que conhece a sabedoria?

Retrucou Alípio:

– Perguntas se ele crê conhecê-la ou se a conhece, ou outra coisa? Pois temo que esta ambiguidade sirva de subterfúgio para algum de nós.

Isso, respondi, é o que se costuma chamar de querela toscana: a uma questão colocada não se dá uma solução, mas se responde com outra objeção. Para agradar um pouco os ouvidos de Licêncio, é o que também o nosso poeta nas Bucólicas julga comum entre os camponeses e pastores: um deles pergunta ao outro onde o céu não tem mais que três côvados. O outro responde: “dize-me em que terra nascem flores em que estão inscritos os nomes dos reis?”. Peço-te, Alípio, não penses que isso nos seja permitido no campo, pois estes banhos, por modestos que sejam, nos lembram um pouco a beleza dos ginásios. Responde ao que te pergunto: a teu ver, o sábio dos Acadêmicos conhece a sabedoria?

Alípio:

– Para não ir demasiado longe, comentando palavras com palavras, parece-me que ele acredita que conhece.

– Portanto, disse eu, parece-te que ele não a conhece? Não estou perguntando o que te parece que o sábio acha, mas se tu achas que o sábio conhece a sabedoria. Creio que podes simplesmente afirmar ou negar.

– Oxalá, retorquiu Alípio, isso fosse tão fácil para mim como é para ti ou tão difícil para ti quanto o é para mim. Assim não serias tão importuno e não alimentarias nenhuma esperança de resposta. Pois, quando me perguntaste o que eu achava do sábio Acadêmico, respondi que me parecia que ele achava que conhecia a sabedoria, para não afirmar temerariamente que eu o sabia ou sustentar não menos temerariamente que o sábio sabia.

Peço-te o grande favor, retruquei, de responder ao que eu perguntei e não à pergunta que tu mesmo te fazes e, além disso, de deixar um pouco de lado a minha esperança que, segundo sei, não te preocupa menos que a tua – certamente se me deixar enganar por esta interrogação, passarei para o teu lado e logo terminaríamos a discussão – finalmente, peço-te expulsar não sei que inquietação que vejo dominar-te e prestar mais atenção para entender facilmente o que desejo que me respondas. Dissestes que não afirmavas nem negavas – como devias fazer para responder à minha pergunta – com receio de afirmar temerariamente saber o que não sabes. Como se eu te perguntasse o que sabes e não o que te parece! Assim, agora volto a perguntar-te mais claramente – se for possível ser mais claro: achas que o sábio conhece a sabedoria, ou achas que não?

– Se há um sábio como o apresenta a razão, respondeu Alípio, posso crer que ele conhece a sabedoria.

– Portanto, respondi, a razão te apresenta um sábio que não ignora a sabedoria. Até aqui respondeste perfeitamente, pois nem poderias ter outra opinião.

Agora te pergunto se é possível encontrar um sábio. Em caso afirmativo, ele também pode conhecer a sabedoria, e toda a questão entre nós está resolvida. Se, ao contrário, disseres que não se pode encontrar um sábio, já não perguntaremos se o sábio sabe alguma coisa, mas se alguém pode ser sábio. Assentado isso, deixemos de lado os Acadêmicos e discutamos esta questão entre nós como todo afinco e cautela possíveis. Pois os Acadêmicos julgavam, ou antes, opinavam que o homem pode ser sábio, mas que não é dado ao homem o conhecimento. Tu, porém achas que o sábio conhece a sabedoria, o que evidentemente não é não saber nada. Ao mesmo tempo concordamos, como todos os antigos e os próprios Acadêmicos, que ninguém pode ter conhecimento de coisas falsas. Donde se segue que deves afirmar que a sabedoria nada é ou admitir que o sábio descrito pelos Acadêmicos não é o sábio apresentado pela razão. Omitindo essas questões, vejamos se o homem pode alcançar a sabedoria tal como a descreve a razão. Pois não há outra sabedoria que devamos ou possamos corretamente chamar com este nome.

(Postagem: Paulo Praxedes – Equipe do Blog Dominus Vobiscum – Referências: Veritatis  Suma Teológica  Ordem de Santo Agostinho  Patrística vol.24)

Veja Também:: Vida de São Agostinho | Livro I | Livro II | Livro III – Necessidade da fortuna para tornar-se sábio | Livro III – O sábio e o conhecimento da sabedoria

Até o próximo post! E divulguem/compartilhem este estudo com seus amigos para que juntos possamos aprender com os doutores da nossa Igreja que é Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana!

Estudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana:: Onde a Igreja se realiza plenamente?

Igreja Católica

A Igreja tem a sua origem e a sua plena realização no eterno desígnio de Deus. Foi preparada na Antiga Aliança com a eleição de Israel, sinal da reunião futura de todas as nações. Fundada pelas palavras e ações de Jesus Cristo, foi realizada sobretudo mediante a sua morte redentora e a sua ressurreição. Foi depois manifestada como mistério de salvação mediante a efusão do Espírito Santo, no dia de Pentecostes. Terá a sua realização plena no fim dos tempos, como assembleia celeste de todos os redimidos.

É preciso entender que terminada a obra que o Pai havia confiado ao Filho para realizará na terra, nos foi enviado o Espírito Santo (no dia de Pentecostes) para santificar a Igreja permanentemente. Foi então que a Igreja se manifestou publicamente diante da multidão e começou a difusão do Evangelho com a pregação. Por ser “convocação” de todos os homens para a salvação, a Igreja é, por sua própria natureza, missionária enviada por Cristo a todos os povos para fazer deles discípulos.

Para realizar sua missão, o Espírito Santo dotou a Igreja de diversos dons hierárquicos e carismáticos e a dirige a partir disto. Por isso a Igreja, enriquecida com os dons de seu Fundador (Jesus Cristo) e empenhando-se em observar fielmente seus preceitos de caridade e humildade, recebeu a missão de anunciar o Reino de Cristo e de Deus e de estabelecê-lo em todos os povos; deste Reino ela constitui na terra o germe e o início.

Veja Também:: Estudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana:: Introdução | Estudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana:: O que é a Igreja? | Estudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana:: Os símbolos da Igreja | Estudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana:: Nascida do coração do Pai | Estudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana:: O sonho de Deus para nós! | Estudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana:: O Antigo Testamento e a Igreja Católica | Estudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana:: O legado de Cristo para o mundo! | Estudo sobre a Igreja Católica Apostólica Romana:: Quem estruturou a Igreja? Jesus, o papa, ou os homens?

Livro Maria Sempre Virgem e SantaVeja também o novo livro do Cadu (Administrador do Blog Dominus Dominus Vobiscum): Maria Sempre Virgem e Santa. Nele você vai encontrar ensinamentos seguros da doutrina da Igreja a respeito da Santíssima Virgem Maria, além das orações mais tradicionais da nossa Igreja à Virgem Mãe de Deus. Vendas apenas pela internet nos sites Clube de Autores e Agbook. Um livro para quem deseja ser mais íntimo de Nossa Senhora.

Vida de Santo Agostinho de Hipona :: Contra os Acadêmicos – Livro III [O sábio e o conhecimento da sabedoria]

Santo Agostinho de Hipona (4)Pax et Bonum! Amigos, que a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês!

Dando continuidade aos estudos do livro “Contra os Acadêmicos“, hoje iremos, continuar lendo o livro III.  Como vimos na sessão anterior à sabedoria pode estar intrinsecamente relacionada ao quanto dispomos para investir à sua busca, contudo São Agostinho nos remete a inverter essa tese. Hoje Alípio e Agostinho travam uma discussão sob a luz do sábio e o filósofo. Vamos conferir o desfecho?

Boa Leitura!!!

O sábio e o conhecimento da sabedoria

Gostaria que me explicasses um pouco qual a diferença que, a teu ver, existe entre o sábio e o filósofo.

Alípio: – A única diferença entre o sábio e o aspirante à sabedoria é que as coisas que o sábio possui como certo hábito, o aspirante à sabedoria só as tem em desejo.

Insisti: – Mas afinal em que consistem essas coisas? Pois a única diferença que me parece existir é que um conhece a sabedoria (scit sapientiam ), enquanto o outro deseja conhece-la ( scire desiderato )

Alípio: – Se desses uma breve definição da ciência, explicarias mais claramente a questão.

– Qualquer que seja a definição que eu der, respondi, todos concordam que não pode haver ciência de coisas falsas.

– Acreditei dever fazer-te esta objeção, temendo que, por um imprudente assentimento de minha parte, teu discurso galopasse sem obstáculo nos campos dessa questão fundamental.

– Francamente, retorqui, não me deixaste nenhum espaço para cavalgar. Pois, se não me engano, já chegamos ao termo que há tempo estou perseguindo. Pois, se a única diferença entre o aspirante à sabedoria e o sábio, como disseste com sutileza e verdade, é que o primeiro ama, enquanto o último possui a disciplina da sabedoria – razão pelo qual não hesitaste em dar-lhe o nome que lhe convém, isto é, certo hábito – e, por outro lado, ninguém pode possuir em seu ânimo uma disciplina ( disciplinam ) sem nada ter aprendido ( didicit ) e nada aprender quem nada  sabe e, além disso, ninguém, pode conhecer o falso, segue-se que o sábio, o qual admitiste ter disciplina da sabedoria, isto é, o hábito da sabedoria, conhece a verdade.

Alípio: – Seria muita audácia minha querer negar que reconheci que o sábio possui o hábito da pesquisa das coisas divinas e humanas. Mas não vejo como poder sustentar que não há hábito das probabilidades encontradas.

– Concedes, retorqui, que ninguém sabe o falso?

– Sem dificuldade, respondeu.

– Atreve-te, pois, a dizer que o sábio ignora a sabedoria, continuei.

– Mas por que, disse Alípio, encerras tudo nestes limites, de modo que não possa  “parecer” ao sábio que ele conhece a sabedoria?

Respondi: – Dá-me a mão direita. Pois, se ti recordas, foi isso que prometi ontem que demonstraria e agora me alegro que esta conclusão não seja minha, mas espontaneamente apresentada por ti. Com efeito, dizia eu que a diferença entre mim e os Acadêmicos era que a eles parecia provável que não se pode encontrar a verdade, enquanto a mim, se bem que ainda não encontrei, parece que pelo menos o sábio possa encontra-la. Agora, pressionado por minha pergunta se o sábio ignora a sabedoria respondeste que lhe parece que ele a conhece.

– E o que se segue daqui – inquiriu ele.

– É que, disse eu, se lhe parece que conhece a sabedoria, não lhe parece que o sábio pode saber nada. Ou então serás obrigado a dizer que a sabedoria não é nada.

Alípio: – Em verdade, eu acreditava que tínhamos chegado à conclusão, mas de repente, ao nos apertarmos as mãos, vejo que já uma grande oposição entre nós e que nos afastamos muito um do outro. Ontem, ao que parece, não havia entre nós outra questão senão que o sábio pode chegar à compreensão do verdadeiro segundo tua opinião, contrária à minha. Mas agora não me parece ter-te concedido mais que isso: que pode parecer ao sábio que conseguiu a sabedoria das coisas prováveis, sendo fora de dúvida para nós ambos que eu fiz consistir a sabedoria na busca das coisas divinas e humanas.

– Não é complicando que explicarás as coisas, respondi. Parece-me que estás disputando só para te exercitar. E como sabes muito bem que estes jovens dificilmente podem discernir as sutilezas da discussão, de certa forma estás abusando da ignorância dos teus juízes, e assim podes falar quanto quiseres sem que ninguém proteste. Pouco antes, quando eu te perguntei se o sábio conhece a sabedoria, disseste que lhe parecia, a ele sábio, que a conhecia. Portanto, a quem parece que o sábio conhece a sabedoria não lhe parece que o sábio não conhece nada. Só poderia afirmar isso que ousasse dizer que a sabedoria não é nada. Donde se segue que a tua opinião é a mesma que a minha, pois eu acho que o sábio sabe algo e creio que tu pensas assim, pois julgas que ao sábio parece que o sábio conhece a sabedoria.

Alípio: – Julgo não ter a intenção de exercitar mais meu engenho que tu, o que me surpreende, pois tu não tens nenhuma necessidade de exercitar-te nisso. A mim, talvez ainda cego, parece-me haver uma diferença entre crer que se sabe e saber, como entre a sabedoria que consiste na busca, e a verdade. Não vejo como concordar estas opiniões diferentes sustentadas por nós.

Como já nos chamastes para o almoço, disse eu: – Não me desagrada a tua resistência, pois ou ambos não sabemos o que estamos dizendo, e devemos esforçarmos para evitar tal vergonha, ou isso se aplica somente a um de nós, e não seria menos vergonhoso tolera-lo ou negligencia-lo. Mas a isso voltaremos depois do meio-dia. Quando me parecia que já tínhamos concluído, mostras-me os punhos!

Todos riram e retiramo-nos.

(Postagem: Paulo Praxedes – Equipe do Blog Dominus Vobiscum – Referências: Veritatis  Suma Teológica  Ordem de Santo Agostinho  Patrística vol.24)

Veja Também:: Vida de São Agostinho | Livro I | Livro II | Livro III – Necessidade da fortuna para tornar-se sábio

Até o próximo post! E divulguem/compartilhem este estudo com seus amigos para que juntos possamos aprender com os doutores da nossa Igreja que é Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana!

Vida de Santo Agostinho de Hipona :: Contra os Acadêmicos – Livro III [Necessidade da fortuna para tornar-se sábio]

Santo Agostinho de Hipona (4)Pax et Bonum! Amigos, que a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês! Dando continuidade aos estudos do livro “Contra os Acadêmicos“, hoje iremos, inicializar o livro III. A temática deste capítulo, que iremos estudar, é refletindo sobre a pergunta de que para nos tornarmos sábio, temos que ter dinheiro? Se trazermos isso para os nossos tempos, esta máxima é verdadeira? Qual é o valor do “investimento” necessário para adquirirmos alguma ‘sabedoria’?

Boa Leitura!!!

Necessidade da fortuna para tornar-se sábio

No dia seguinte ao daquela discussão contida no segundo livro, reunimo-nos nos banhos, pois o tempo estava muito sombrio para descer ao campo. Comecei assim:

– Creio que já entendestes suficientemente bem qual a questão que resolvemos discutir. Mas, antes de abordar a minha tese, peço que de bom grado ouçais algumas palavras, não alheias ao nosso assunto, sobre a esperança, a vida, o propósito que nos anima. Creio que nossa tarefa, não banal ou supérflua, mas necessária e suprema, é procurar a verdade com todo empenho. Nisso estamos de acordo Alípio e eu. Com efeito, os outros filósofos julgaram que o seu sábio encontrara a verdade. Os Acadêmicos afirmaram que o sábio deve fazer todo o esforço para encontra-la e de fato o faz com toda a dedicação. Mas, como a verdade está oculta ou confusa, para orientar a sua vida, devia seguir o que lhe parecesse provável ou verossímil. Tal foi também o resultado da vossa discussão de ontem. Efetivamente, um afirma que o homem alcança a felicidade pela descoberta da verdade, enquanto para outro basta busca-la diligentemente. Portanto, está fora de qualquer dúvida para qualquer um de nós que não há nada que devamos antepor a essa tarefa. Assim, pergunto-vos: como foi o dia que tivemos ontem? Quisestes dedica-los aos vossos estudos. Tu, Trigécio, deleitaste-te com os poemas de Virgílio, e Licêncio dedicou-se à composição de versos, paixão que o inflama, de tal modo que foi principalmente por causa dele que julguei necessário instituir este discurso, para que a filosofia ocupe e reclame no seu espírito – pois já é tempo – um espaço maior que a poesia e qualquer outra disciplina.

Mas dizei-me, não lamentastes a nossa sorte de ontem? Fomos dormir com a ideia de levantar-nos no dia seguinte para nos dedicarmos à questão adiada e a nada mais. Todavia apareceram tantos afazeres domésticos inadiáveis que nos ocuparam de tal modo que mal nos restaram as duas últimas horas do dia para nos recolhermos. Assim, sempre foi minha opinião que o homem que já alcançou a sabedoria não tem necessidade de nada, mas para tornar-se sábio a fortuna lhe é muito necessária. Mas talvez Alípio tenha outra idéia.

Alípio: – Ainda não entendi bem qual a importância que atribuis à fortuna. Se para desprezá-la julgas que ela mesma é necessária, acompanho-te nesta opinião. Se, ao contrário, o que concedes à fortuna consiste em dizer que sem sua permissão não se pode prover às necessidades corporais, não concordo. Pois, ou quem ainda não é sábio mas aspira à sabedoria pode, apesar da oposição da fortuna, adquirir o que é necessário para a vida, ou devemos conceder que a fortuna domina também a vida, ou devemos conceder que a fortuna domina também toda a vida do sábio, visto que este não pode renunciar às coisas necessárias ao corpo.

Dizes, portanto, repliquei que a fortuna é necessária a quem procura a sabedoria, mas não ao sábio.

– Não é inoportuno, tornou Alípio, repetir as mesmas coisas. Assim, vou agora perguntar-te se, a teu ver, a fortuna ajuda a desprezá-la a ela mesma. Se pensas assim, digo-te que o aspirante à sabedoria tem grande necessidade da fortuna.

– Penso isso, repliquei, pois é por ela que o aspirante à sabedoria será tal que possa desprezar a fortuna. E isso não é absurdo. Quando somos crianças, temos necessidade do seio materno, graças ao qual podemos depois viver e crescer sem ele.

– Para mim está claro, disse Alípio, que nossas opiniões concordam, se realmente exprimem nossas concepções, a menos que talvez alguém julgue necessário observar que não é o seio nem a fortuna, mas outra coisa que nos faz desprezar esta e aquele.

– Não é difícil encontrar outra comparação, retomei eu. Ninguém atravessa o mar Egeu sem navio ou algum outro meio de transporte ou se não quiser temer o próprio Dédalo em pessoa, sem instrumento adequados a essa travessia ou sem a ajuda de algum poder oculto. Todavia, não tem outro desejo que chegar ao término e,  uma vez alcançado o seu destino, está pronto a rejeitar e desprezar tudo o que lhe serviu para a travessia. Do mesmo modo, quem quiser chegar ao porto da sabedoria e, por assim dizer, à terra totalmente firme e tranquila da sabedoria – pois, para calar outras coisas, se for cego ou surdo não o poderá, o que depende da fortuna – parece-me necessária a fortuna para alcançar o que deseja. Uma vez conseguido este fim, ainda que julgue necessitar de certas coisas relativas ao bem-estar corporal, é certo que não precisa dessas coisas para ser sábio, mas apenas para viver entre os homens.

– Mais que isso, interrompeu Alípio, se for cego e surdo, a meu ver, com razão desprezará tanto a aquisição da sabedoria como a vida para a qual se busca a sabedoria.

Todavia, disse eu, como a nossa vida presente está sob o poder da fortuna e só quem vive pode tornar-se sábio, não devemos admitir que temos necessidade do seu favor para chegar à sabedoria?

– Mas como a sabedoria só é necessária aos vivos, replicou Alípio, e eliminada a vida não há nenhuma necessidade de sabedoria, não temo a fortuna ao avançar na vida, pois é porque vivo que quero a sabedoria, e não é porque desejo a sabedoria que quero a vida. Consequentemente, se a fortuna me tirar a vida, me privará do motivo de buscar a sabedoria. Assim, para ser sábio, não tenho por que desejar o favor da fortuna ou temer seus revesses, a não ser que me apresentes outras razões.

– Portanto, repliquei, não achas que o aspirante á filosofia pode ser impedido pela fortuna de alcançar a sabedoria, mesmo que não lhe tire a vida?

– Julgo que não, respondeu.

(Postagem: Paulo Praxedes – Equipe do Blog Dominus Vobiscum – Referências: Veritatis  Suma Teológica  Ordem de Santo Agostinho  Patrística vol.24)

Veja Também:: Vida de São Agostinho | Livro I | Livro II

Até o próximo post! E divulguem/compartilhem este estudo com seus amigos para que juntos possamos aprender com os doutores da nossa Igreja que é Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana!

Vida de Santo Agostinho de Hipona :: Contra os Acadêmicos – Livro II [Elucidação do problema a ser discutido]

Santo Agostinho de Hipona (4)Pax et Bonum! Amigos, que a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês! Dando continuidade aos estudos do livro “Contra os Acadêmicos“, hoje iremos, finalizar o livro II.

Como Licêncio, ruborizado, temesse o ataque de Alípio, intervim:

– Preferiste dizer tudo de uma vez, Alípio, a discutir, como se deve com estes jovens que não sabem falar.

Respondeu Alípio:

– De há muito tanto eu como os demais sabemos todos, e agora demonstrastes com o exercício da tua profissão, que és perito na arte da palavra. Assim, gostaria que primeiro explicasse a utilidade da pergunta de Licêncio. A meu ver, ou é supérflua, e neste caso seria igualmente supérfluo dar-lhe uma resposta mais longa, ou parece oportuna e eu não sei responder a ela, e neste caso te peço que não te moleste exercer o ofício de mestre.

– Recordas-te, disse eu, que ontem prometi que trataríamos mais tarde da questão das palavras. Agora o sol manda recolher nas cestas o que ofereci como jogos aos rapazes, tanto mais que o exponho mais como ornato que para venda. Mas antes que as trevas, que costumam proteger os Acadêmicos, nos impeçam  de escrever, quero que decidamos claramente entre nós a questão de que devemos tratar amanhã. Assim, responde-me se achas que os Acadêmicos tiveram uma doutrina certa sobre a verdade e não quiseram transmiti-la imprudentemente a desconhecidos ou a espíritos não purificados, ou realmente tiveram as opiniões que resultam das suas discussões.

Alípio: – Não quero afirmar levianamente o que eles pensavam. Quanto ao que se pode deduzir dos livros, sabes melhor que eu em que termos costumavam propor sua doutrina. Mas se me perguntares pela minha opinião pessoal,  creio que ainda não se encontrou a verdade. Acrescento ainda, para responder ao que me perguntavas com relação aos Acadêmicos, que julgo que não se pode encontrar a verdade. Esta não é somente a minha opinião arraigada que quase sempre professei como sabes, mas também a de grandes e excelentes filósofos, perante os quais nos obrigam a curvar a cabeça tanto a fraqueza do nosso espírito como a sagacidade deles, impossível, ao que parece, de superar.

– É isso o que eu queria, disse eu. Pois temia que fôssemos da mesma opinião e assim nossa discussão resultasse incompleta, por falta de alguém que, tomando o partido contrário, nos obrigasse a discutir e examinar a questão com toda a diligência possível. Se assim fosse, eu já estava pensando em pedir-te que assumisses a defesa dos Acadêmicos, afirmando que não só disputaram, mas também pensaram que não se pode conhecer a verdade. Trata-se, portanto, de saber entre nós se, segundo os argumentos deles, é provável que nada se pode conhecer e a nada se deve dar assentimento. Se conseguires demonstrar isso, sem dificuldade me darei por vencido. Mas se eu demonstrar que é muito mais provável que o sábio pode chegar à verdade e que não se deve sempre suspender o assentimento, creio que não terás como recusar-te a passar para a minha opinião.

A proposta agradou Alípio e aos presentes. Já envolvidos pelas sombras da noite, voltamos para casa.

(Postagem: Paulo Praxedes – Equipe do Blog Dominus Vobiscum – Referências: Veritatis  Suma Teológica  Ordem de Santo Agostinho  Patrística vol.24)

Veja Também:: Vida de São Agostinho | Livro I | Livro II – Segundo Prólogo a Romaniano P. I |Livro II – Segundo Prólogo a Romaniano P.II | Livro II – Segundo Prólogo a Romaniano P.III | Livro II – Síntese da Doutrina Acadêmica | Livro II – Gênese da nova Academia e sua relação com a antiga | Livro II – Verossimilhança e conhecimento do verdadeiro | Livro II – Importância do problema da possibilidade de encontrar a verdade | Livro II – Caráter substancial e não meramente verbal da controvérsia sobre o “verossímil” | Livro II – O autêntico significado do conceito acadêmico de “verossímil”

Até o próximo post! E divulguem/compartilhem este estudo com seus amigos para que juntos possamos aprender com os doutores da nossa Igreja que é Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana!

Vida de Santo Agostinho de Hipona :: Contra os Acadêmicos – Livro II [O autêntico significado do conceito acadêmico de “verossímil”]

Santo Agostinho de Hipona (4)Pax et Bonum! Amigos, que a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês! Dando continuidade aos estudos do livro “Contra os Acadêmicos“, hoje iremos, dar continuidade ao tema “verossímil” em relação ao conceito Acadêmico.

Quinta Discussão – O autêntico significado do conceito acadêmico de “verossímil”

O dia seguinte não amanheceu menos agradável e sereno. Todavia, foi difícil desembaraçar-nos das ocupações domésticas, pois consumimos grande parte do dia escrevendo cartas. Quando já restavam apenas duas horas, fomos ao campo, pois convidava-nos a extrema limpidez do céu e não queríamos perder o pouco tempo que ainda tínhamos. Depois que chegamos à arvore costumeira e todos se tinham acomodado, comecei:

 – Rapazes, como hoje não podemos tratar de uma grande questão, gostaria que me recordassem como ontem Alípio respondeu à perguntinha que vos perturbou.

Respondeu Licêncio: – A resposta foi tão curta, que não há problema em recordá-la. Mas cabe a ti julgar o seu peso. Parece-me que, sendo clara a questão, ele te impediu de levantar uma discussão de palavras.

 – Percebestes bem, tornei eu, o sentido e o alcance dessa resposta?

Licêncio: – Creio ter entendido o que significa, mas peço-te que a expliques um pouco mais. Pois muitas vezes te ouvi dizer que numa discussão é vergonhoso deter-se em questões de palavras, quando já não há dúvida quando às coisas em si. Mas isso é demasiado sutil para que se me peça uma explicação a mim.

Ouvi, pois, continuei, de que se trata. Os Acadêmicos chamam provável ou verossímil agir sem assentimento. Quando digo sem assentimento, quero dizer de tal modo que sem ter por verdadeiro o que fazemos e julgando ignorar a verdade, não deixamos de agir. Por exemplo, se na noite passada, com o céu tão desanuviado e puro, alguém nos perguntasse se hoje nasceria um sol tão radioso, creio que teríamos respondido: não sabemos, mas parece que sim. Tal me parece ser, diz o Acadêmico, tudo o que julguei dever chamar provável ou verossímil.  Se quiseres chama-lo com outro nome, não me oponho. Basta-me saber que entendeste bem o que digo, isto é, a que coisas dou estes nomes. “Pois o sábio não deve ser um artífice de palavras, mas um investigador da realidade”. Compreendestes como me foram arrancados das mãos os brinquedos com que vos exercitava?

Ambos responderam que sim, mas a expressão do rosto deles pedia uma resposta minha. Disse lhes então: – Por acaso pensais que Cícero, de quem são estas palavras, era tão ignorante da língua latina que desse nomes pouco adequados às coisas que tinha em mente?

Trigécio: – Agora que a questão real está clara, não queremos levantar nova discussão de palavras. Vê, antes, o que tens a responder àquele que nos libertou, em vez de tentar novamente atacar-nos.

Licêncio: – Um momento, por favor, pois me vem à mente uma luz pela qual vejo que não se deveria ter-te arrebatado um argumento tão forte.

Depois de refletir um momento em silêncio, continuou:

– Nada me parece mais absurdo que alguém dizer que segue o verossímil quando ignora a verdade. E neste ponto nem a tua comparação me perturba. Se me perguntarem se a presente condição do tempo não ameaça chuva para amanhã, respondo que não é verossímil, porque não nego que conheço alguma verdade. Pois sei que esta árvore não pode subitamente tornar-se uma árvore de prata e há muitas outras coisas que sem temeridade afirmo conhecer, às quais vejo serem semelhantes às que chamo verossímeis. Mas tu, Carnéades, ou outra peste grega, para não falar dos nossos – pois por que hesitarei em passar para o partido de quem sou prisioneiro por direito de vitória? – quando dizes não conhecer nenhuma verdade, donde saber que segues o verossímil? Efetivamente não posso dar-lhe outro nome. O que discutir com um homem que não pode sequer falar?

Tomou a palavra Alípio: – Não temo os desertores. E muito menos os teme Carnéades, contra quem, levado por uma leviandade, não sei se juvenil ou pueril, julgaste dever lançar maldições em vez de um argumento. Pois, para confirmar a sua opinião que sempre se apoiou somente no provável, lhe seria fácil e suficiente alegar contra ti que nos encontramos tão longe de encontrar a verdade, que tu mesmo podes ser uma prova decisiva disso, visto que de tal modo foste abalado por uma simples pergunta, que não sabias da certeza que há pouco afirmavas ter em relação à arvore, deixemo-lo para outra ocasião. Embora já tenhas escolhido outro partido, contudo deves instruir-te diligentemente sobre o que eu disse um pouco antes. Pois parece-me que ainda não penetramos no âmago da questão de saber se é possível encontrar a verdade. Mas achei que no umbral da minha defesa devia ser proposta a questão em relação à qual eu te vira abatido e prostrado. Isto é, se não se deve procurar o verossímil ou o provável – ou outro nome que se lhe queira dar – com que se dão por satisfeitos os Acadêmicos. Pois se tu já te consideras um perfeito conhecedor da verdade, pouco me importa. Se depois não fores ingrato ao meu patrocinador, talvez me ensinarás essas coisas.

(Postagem: Paulo Praxedes – Equipe do Blog Dominus Vobiscum – Referências: Veritatis  Suma Teológica  Ordem de Santo Agostinho  Patrística vol.24)

Veja Também:: Vida de São Agostinho | Livro I | Livro II – Segundo Prólogo a Romaniano P. I |Livro II – Segundo Prólogo a Romaniano P.II | Livro II – Segundo Prólogo a Romaniano P.III | Livro II – Síntese da Doutrina Acadêmica | Livro II – Gênese da nova Academia e sua relação com a antiga | Livro II – Verossimilhança e conhecimento do verdadeiro | Livro II – Importância do problema da possibilidade de encontrar a verdade | Livro II – Caráter substancial e não meramente verbal da controvérsia sobre o “verossímil”

Até o próximo post! E divulguem/compartilhem este estudo com seus amigos para que juntos possamos aprender com os doutores da nossa Igreja que é Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana!

Vida de Santo Agostinho de Hipona :: Contra os Acadêmicos – Livro II [Caráter substancial e não meramente verbal da controvérsia sobre o “verossímil”]

Santo Agostinho de Hipona (4)Pax et Bonum! Amigos, que a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês! Dando continuidade aos estudos do livro “Contra os Acadêmicos“, hoje iremos, dar continuidade ao tema do “verossímil”. Apesar de ser um tanto curto, o objeto deste é incutir o conceito da verossimilhança. Boa leitura!

Caráter substancial e não meramente verbal da controvérsia sobre o “verossímil”

Alípio: – Agora prosseguirei com segurança, pois vejo que serás menos um acusador que um auxiliar. Assim, para não nos afastarmos demasiado do assunto, peço-te que tratemos antes que esta discussão, em que tomo o lugar daqueles que cederam perante ti, não degenere em controvérsia de palavras, o que, por insinuação tua e apoiados na autoridade de Túlio, muitas vezes declaramos ser totalmente ignóbil. Com efeito, se não me engano, tendo Licêncio dito que lhe agradava a opinião dos Acadêmicos sobre a probabilidade, perguntaste-lhe – ele confirmou que sim – se sabia que eles também a chamavam de verossimilhança. E bem sei, por tê-lo aprendido de ti mesmo, que as opiniões dos Acadêmicos não te são desconhecidas. Se, como eu disse, isso está gravado no teu espírito, não entendo por que te prendes a questões de palavras.

Respondi: – Não se trata, acredita-me, de uma simples querela de palavras, mas de uma importante controvérsia sobre a própria realidade das coisas. Não julgo que os Acadêmicos tenham sido homens que não saibam das os nomes certos às coisas. Parece-me que escolheram tais palavras para, ao mesmo tempo, ocultar a sua doutrina aos medíocres e revela-la aos espíritos mais penetrantes. Explicarei o porquê e como da minha opinião depois de discutir o que se lhes atribui e  os faz considerar como inimigos do conhecimento humano. Assim, estou muito feliz que hoje a nossa conversação tenha chegado a um ponto em que aparece claramente qual a questão discutida entre nós. Parece-me que os Acadêmicos foram homens absolutamente sérios e prudentes. E se há algo que agora discutiremos, será contra aqueles que julgaram que os Acadêmicos se opunham à descoberta da verdade. Mas não vás imaginar que eu tenha medo deles. Não terei dúvida em investir também contra eles, se o que lemos nos seus livros o sustentaram por convicção e não para ocultar a sua opinião a fim de evitar que certos aspectos sagrados da verdade fossem expostos a espíritos corrompidos e, por assim dizer, profanos. É o que eu faria hoje, se o acaso do sol não nos obrigasse a voltar para casa. Aqui terminou a discussão daquele dia.

(Postagem: Paulo Praxedes – Equipe do Blog Dominus Vobiscum – Referências: Veritatis  Suma Teológica  Ordem de Santo Agostinho  Patrística vol.24)

Veja Também:: Vida de São Agostinho | Livro I | Livro II – Segundo Prólogo a Romaniano P. I |Livro II – Segundo Prólogo a Romaniano P.II | Livro II – Segundo Prólogo a Romaniano P.III | Livro II – Síntese da Doutrina Acadêmica | Livro II – Gênese da nova Academia e sua relação com a antiga | Livro II – Verossimilhança e conhecimento do verdadeiro | Livro II – Importância do problema da possibilidade de encontrar a verdade

Até o próximo post! E divulguem/compartilhem este estudo com seus amigos para que juntos possamos aprender com os doutores da nossa Igreja que é Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana!

Vida de Santo Agostinho de Hipona :: Contra os Acadêmicos – Livro II [Importância do problema da possibilidade de encontrar a verdade]

Santo Agostinho de Hipona (4)Pax et Bonum! Amigos, que a Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vocês! Dando continuidade aos estudos do livro “Contra os Acadêmicos“, hoje iremos, dar continuidade a discussão da temática abordada nos capítulos anteriores. Boa leitura!

Discussão entre Agostinho e Alípio – Importância do problema da possibilidade de encontrar a verdade

Alípio: – Gostaria, pois, que dissesses bom acusador dos Acadêmicos, qual é o teu papel, ou seja, em favor de quem os atacas. Receio que, ao refutar os Acadêmicos, queiras mostrar-te um Acadêmico.

Respondi: – Bem sabes, creio que há duas espécies de acusadores. Pois se Cícero disse com excessiva modéstia que era acusador de Verres, para ser defensor dos Sicilianos, daqui não se segue que quem acusa alguém necessariamente esteja defendendo um outro.

Alípio: – Tens pelo menos algum fundamento onde apoiar a tua opinião?

Respondi: – É fácil responder a esta pergunta, sobretudo porque ela não me colhe de surpresa. Já refleti muito e longamente sobre todas essas questões. Por isso, Alípio, ouve o que, segundo creio, já sabes muito bem. Não quero que esta discussão prossiga só pelo prazer de discutir. Bastam o que ensaiamos com estes jovens, quando a filosofia, por assim dizer, brincou livremente conosco. Deixemos de lado as fábulas infantis. Trata-se da nossa vida, dos costumes e da alma. Esta espera supera os perigos de todas as falácias e depois de abraçada a verdade, como que voltando a região da sua origem, triunfar sobre as paixões e assim, desposando a temperança, reinar, mais segura de voltar ao céu. Entendes o que quero dizer. Abandonemos tudo isso. “É preciso preparar as armas para um valente guerreiro”. Não há nada que eu tenha desejado menos que ver surgir entre os que tanto tempo conviveram e conversaram entre si algo que dê origem a um novo conflito. Mas por causa da memória, que é guarda infiel das coisas que pensamos, quis que fossem recolhidas por escrito as questões que frequentemente tratamos entre nós para que estes jovens aprendam a refletir sobre estes assuntos e, ao mesmo tempo, se exercitem no ataque e na defesa.

Não sabes, pois, que ainda não tenho nada como certo e que os argumentos e disputas dos Acadêmicos em impedem de procura-lo? Pois não sei de que modo me fizeram admitir como provável, para não fugir da sua expressão, que o homem não pode encontrar a verdade. Isso me deixara preguiçoso e indolente e eu não ousava buscar o que homens tão inteligente e doutos não conseguiram encontrar. Se não conseguir convencer-me da possibilidade de descobrir a verdade tão fortemente quanto os Acadêmicos estavam convencidos do contrário, não ousarei procurar e não tenho nada a defender. Portanto, deixa de lado a tua pergunta, por favor. Discutamos, antes, entre nós, com toda a perspicácia, se é possível encontrar a verdade. De minha parte, creio ter já muitos argumentos contra a doutrina dos Acadêmicos. Por hora a nossa diferença de opinião se reduz a isto: Eles acham provável que não se pode encontrar a verdade e eu julgo provável que se pode encontra-la. Pois a ignorância da verdade me é particular, se eles fingiam, ou então é comum a mim e a eles.

(Postagem: Paulo Praxedes – Equipe do Blog Dominus Vobiscum – Referências: Veritatis  Suma Teológica  Ordem de Santo Agostinho  Patrística vol.24)

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